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Avaliação pré-anestésica: conhecer o paciente faz toda a diferença.

Depois de algum tempo sem escrever para o blog separei um tempinho, um copo (na verdade três) de café e alguma inspiração para conversarmos sobre um tema que é muito relevante na atividade do anestesista: a avaliação pré-anestésica.

Damos tanto destaque para técnicas, protocolos e condutas anestésicas nas diversas especialidades mas conversamos pouco sobre o que é elementar para estabelecermos qual será a melhor conduta para nosso paciente: como conhecê-lo!

A avaliação pré-anestésica é fundamental para a segurança do paciente, uma vez que nos permite identificar fatores de risco anestésico e perturbações fisiológicas que impactarão nosso planejamento anestésico.

Como muitos anestesistas veterinários prestam seu serviço de forma volante, raramente têm contato com o paciente antes do momento da cirurgia, o que pode dificultar uma avaliação precisa e a obtenção de todas as informações relevantes para o delineamento da conduta anestésica. Mas isso não justifica não nos esforçarmos para fazer a avaliação pré-anestésica ideal. Nem que esta avaliação seja intermediada pelo colega que solicitou o serviço do anestesista – o clínico ou o cirurgião.

História clínica

Devemos identificar fatores de risco para o paciente, buscando por condições médicas conhecidas (cardiovascular, renal, endócrina, neurológica, gastrintestinal, imunomediada, neoplasia), evolução, se está ou não em terapia medicamentosa (anti-inflamatórios, analgésicos, neurofármacos, terapia cardiovascular, quimioterápicos etc..) e se tem antecedentes anestésicos documentados.

As comorbidades do paciente nos ajudarão a definir o estado físico e estabelecer se medidas de estabilização prévias deverão ser tomadas. Interações entre os medicamentos utilizados na anestesia e aqueles que o paciente faz uso também serão levados em consideração.

Os eventos anestésicos prévios podem nos dar uma ideia da existência de intercorrências, como foi a recuperação do paciente e se houve alguma relação com a técnica empregada.

Exame físico

Um exame físico geral e bem conduzido deve ser realizado no momento da triagem cirúrgica e, também, previamente à anestesia (no dia).

A avaliação do estado mental do paciente, reflexos, ruídos cardíacos e pulmonares, qualidade do pulso e pressão arterial, hidratação e coloração de mucosas fazem parte deste exame.

Características do paciente

A espécie, raça, idade, porte (tamanho) e temperamento terão grande impacto na construção do protocolo anestésico e definição das técnicas empregadas para o paciente.

Pacientes com comportamentos de medo, ansiedade e estresse poderão se beneficiar de medicamentos administrados em casa para proporcionar um maior conforto antes do trânsito até a clínica ou hospital.

Algumas sensibilidades à sedativos e hipnóticos podem ser observados nas raças mais predispostas à mutação do gene MDR1, como os galgos e collies.

Anormalidades anatômicas associadas à raça (como a das vias aéreas nos braquicefálicos) vão impactar nas condutas de acesso à via aérea e manejo da ventilação / oxigenação.

Algumas raças de cães e gatos podem ser mais predispostas à doenças cardiovasculares, como o Cavalier King Charles Spaniel e o Maine Coon, impactando na avaliação cardiovascular destes animais.

Animais muito jovens (neonatos) ou extremamente idosos naturalmente tem um risco anestésico aumentado, dada a imaturidade fisiológica ou à perda da capacidade compensar de forma eficaz as flutuações de temperatura e pressão.

Os pacientes de tamanho pequeno são mais propensos à hipotermia, são mais difíceis de intubar e monitorar; além disso é mais fácil sobrecarregá-los com volume – caso a fluidoterapia não seja rigorosamente controlada por dispositivos de infusão.

Tipo de procedimento

Precisamos também levar em consideração a invasividade do procedimento cirúrgico, a duração estimada e o tipo/intensidade da dor envolvida. Os procedimentos de longa duração e grande trauma resultam em maior resposta endócrino-metabólica, que pode comprometer a cicatrização da ferida, a imunidade do paciente e sua recuperação/evolução pós-operatória. Com as condutas anestésicas adequadas podemos minimizar esta resposta.

Os exames pré-anestésicos

Aqui temos um tópico polêmico, pois não há um consenso muito bem definido sobre quais exames devem exatamente ser solicitados para complementar a avaliação do paciente que será anestesiado.

Por isso, pautado no bom senso e na escolha racional, podemos considerar os seguintes elementos para qualquer paciente – independente do seu estado físico. Digamos que isso seria uma boa prática para esta avaliação INICIAL.

  1. Hemograma: é um exame bastante genérico, mas que pode trazer informações importantes sobre a capacidade de transportar oxigênio (eritrócitos e hemoglobina), estados inflamatórios ou infecciosos (leucometria) e parte da capacidade de hemostasia (contagem de plaquetas).
  2. Função renal: embora a dosagem de ureia e creatinina séricas sejam apenas parte da avaliação renal, nos dá ideia da capacidade dos rins eliminarem metabólitos (e muitos anestésicos, sedativos e analgésicos serão eliminados por via renal) e do risco aumentado para os distúrbios ácido-base ou hidroeletrolíticos.
  3. Enzimas hepáticas: como o fígado é o principal local de biotransformação de fármacos, sabermos se o fígado está sob algum processo de injúria/lesão é relevante para entendermos o quão comprometida pode estar essa função – e, claro, isso tem um grande impacto na definição no nosso protocolo. Analisar a atividade da alanina-aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina (FA) e gama-GT – GGT (em gatos) nos permite fazer essa avaliação.
  4. Albumina: além de ser a principal força coloidosmótica do plasma (envolvida nas forças de Starling e a dinâmica de fluidos) é o principal carreador da maioria dos fármacos no plasma. A redução dos níveis desta proteína nos fará rever as doses dos fármacos que iremos utilizar em nosso protocolo.
  5. Glicemia de jejum: principal teste de triagem para o diabetes, nos dará ideia se o paciente tem maior tendência à hipoglicemia durante o jejum. Independente de termos feito a glicemia conjuntamente aos demais exames, no dia da cirurgia convém fazer uma nova avaliação antes da anestesia – com dispositivos point-of-care.
  6. Eletrocardiograma (ECG): simplesmente indispensável. É a principal forma de avaliar a atividade elétrica do coração e diagnosticar arritmias. E mesmo animais jovens, saudáveis e sem qualquer anormalidade na ausculta cardiopulmonar podem ter arritmias que só irão ser detectadas neste exame. E isso irá influenciar muito nas nossas escolhas durante o planejamento anestésico.
  7. Ecocardiograma (ECO): exame que nos mostra como está a função e a anatomia do coração e suas valvas. NÃO SUBSTITUI O ECG!!! São exames que se complementam. Estabelecer o ECO como um exame de triagem para todos os pacientes com certeza irá enriquecer nossa avaliação pré-anestésica. Entretanto, se por alguma razão este exame precisar ser melhor considerado podemos dizer que se torna obrigatório para aqueles pacientes com histórico de cardiopatia, alterações no exame físico cardiopulmonar, de raças predispostas à cardiomiopatia e aqueles com idade superior a 5 anos.

Bem, esse seria o perfil inicial inicial. Mas o céu é o limite. Muitas outras avaliações podem ser realizadas, mas isso irá depender do histórico clínico, avaliação física, características do paciente e tipo de procedimento realizado. Nesta lista poderíamos incluir:

  • Eletrólitos para o paciente com distúrbio renal, endócrino-metabólico ou cardiovascular.
  • Hemogasometria e urinálise também para o paciente renal ou com disfunção circulatória.
  • Testes hormonais para o paciente com endocrinopatia confirmada ou suspeita.
  • Exames de imagem (US, RX, TC) para pacientes oncológicos ou com doença gastrointestinal, respiratória ou cardiovascular.
  • Perfil de coagulação (tempos de coagulação, fibrinogênio ou tromboelastograma) para pacientes com coagulopatia conhecida, oncológicos (ou não) submetidos à procedimentos cirúrgicos extensos.
  • Qualquer outro teste que julgue necessário.

Estas são algumas considerações para que consigamos sempre fazer a melhor avaliação pré-anestésica possível e, conhecendo muito bem o nosso paciente, fazermos o melhor planejamento anestésico. Isso resultará em maior segurança para o paciente, trazendo um bom desfecho mesmo para aqueles que tenham estado físico mais deteriorado.

Se quiserem uma boa sugestão de leitura, podem acessar o 2020 AAHA Anesthesia and Monitoring Guidelines for Dogs and Cats aqui nesse link. O acesso é livre.

Espero que o texto os ajude na melhor condução de seus pacientes e que também resulte em boas discussões aqui.

Até o próximo texto.

Zanoni

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